Os bairros sociais trouxeram problemas conhecidos. Não vamos repeti-los
POL nº 5983 Segunda, 14 de Agosto de 2006
Por Luísa Pinto (texto)
«Os bairros sociais trouxeram problemas conhecidos. Não vamos repeti-los».
O secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades quer acabar a construção de bairros nas periferias das cidades. A nova política passa pela requalificação urbana, e não exclui a hipótese de haver algumas demolições.
Numa altura em que problemas de países pouco desenvolvidos, como famílias em barracas, recrudescem em Portugal e convivem com outras situações de vulnerabilidade e de carência habitacional, o Governo quer dar mais "justiça" ao sistema, recusando o assistencialismo vitalício aos agregados que dele não precisam. O secretário de Estado com a tutela da pasta, João Ferrão, explica que a nova política social de habitação passa por clarificação do papel do Estado e das autarquias e permite a entrada de privados na gestão de património. E que a ordem é reabilitar os centros urbanos e reocupar fogos devolutos, promovendo a diversidade e combatendo a guetização originada pelos bairros sociais. E não exclui a hipótese de "ter de demolir alguns".
PÚBLICO - Brincou com as palavras para marcar o anúncio de uma nova política. Qual é a diferença entre política de habitação social e política social de habitação?
JOÃO FERRÃO - Quando defendemos uma política social de habitação, estamos a sublinhar o que nos parece inovador e que tem a ver com o papel do Estado e a forma como se relaciona com diferentes agentes e actores no âmbito desta política. Queremos fazer a separação clara entre o papel do Estado central, neste caso do Instituto Nacional Habitação (INH), e o futuro Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), que é um papel estratégico, regulador, avaliador e de informação ao cidadão, e do ponto de vista da execução de políticas, que, neste caso, são políticas que ganham com a proximidade. Queremos, por um lado, descentralizar em relação às autarquias e, por outro lado, externalizar de uma forma contratualizada com promotores privados especializados. E também levar a cabo a ideia de que uma política como esta tem de ser feita sempre de forma muito estreita com aquilo que são os stakeholders do INH/IHRU.
Estamos sempre a falar do papel do Estado em garantir o direito à habitação, a falar de rendas apoiadas e de custos controlados. Muda alguma coisa no universo de pessoas a que se destina?
Não estamos a pensar, como muitos, que habitação de pendor social é igual a problemas de pobreza; prefiro falar de situações de vulnerabilidade. Vamos definir o universo de pessoas que cabe neste segmento e recusar a ideia de acesso à habitação social para toda a vida, independentemente das condições que vão tendo ao longo do seu ciclo de vida, por uma questão de justiça.
A que situações de vulnerabilidade se refere?
Hoje em dia temos, por variadíssmas razões, novos perfis de carência habitacional. A questão do envelhecimento, a da recomposição familiar e a da emigração, por exemplo, às quais temos de juntar a da instabilidade do mercado de trabalho. A ideia de emprego para toda a vida desapareceu. Estamos a falar de elementos estruturais das sociedades contemporâneas, da pós-modernidade. E estes problemas coexistem com os mais antigos, como o da erradicação de barracas, que ainda não conseguimos resolver. Aliás, verificamos, até, que se nas áreas metropolitanas o número está a diminuir, embora muito lentamente, noutras áreas do país o número de pessoas a viver em barracas está a aumentar.
Falou de Estado, autarquias, stakeholders e privados que quer que participem nesta política, reposicionando-os. O papel do Estado está explicado. E os restantes?
Do ponto de vista da execução das políticas, a política de habitação é uma daquelas em que a questão da proximidade é muito importante. Não é assim em todas as políticas, mas esta é daquelas que têm de ser uma política próxima para quem se orienta. A velha política de habitação social era muito centrada no Estado central, e baseada na solução da construção dos chamados bairros sociais, que trouxeram problemas que são conhecidos de toda a gente. E nós não vamos repeti-los. Aqueles bairros compactos com pessoas do mesmo tipo, muitas vezes até fisicamente isolados do resto das cidades, revelou-se uma solução péssima. Em muitos países esses blocos tiveram de ser implodidos, e eu não excluo à partida que isso não possa acontecer em Portugal.
A administração central nao tem propriamente vocação para ser proprietária, e o IGAPHE ainda tem, hoje em dia, um parque habitacional razoável, que inclui edifícios, fogos, mas também terrenos. A nossa ideia é transferir o património que pode ser recuperado para os municípios e dar uma nova abordagem ao programa Prohabita, de forma a promover a diversidade social. Os privados poderão entrar na gestão desse património .
Como é que essa entrada dos privados pode ser feita?
Enquadrada em instrumentos como o Porta 65. Estamos a falar sempre do objectivo de dinamizar o mercado de arrendamento e, nesta óptica, no segmento da habitação de cariz social. A Porta 65 tentará dinamizar esse mercado de arrendamento do lado da oferta, do lado da procura e articulando ambas. Do lado da oferta, queremos mais e melhores fogos no segmento de arrendamento, nomeadamente no de vocação social. Para que isso aconteça, o que temos de fazer é criar um sistema que seja confiável, estável, credível e que seja rentável para quem aceita integrá-lo. Estou a falar de autarquias e outras entidades, mas também proprietários individuais que, porque não têm dimensão ou porque não acreditam no mercado de arrendamento social, facilmente podem recorrer a um sistema, com base na contratualização, que lhes garanta a tal estabilidade, um retorno considerado razoável para um determinado período.
Depois temos ainda a componente da gestão do património habitacional, à qual qualquer entidade privada pode concorrer, e contratualizar com o IRHU essa gestão.
Tem vindo a inistir na componente da reabilitação, um mercado cujo potencial, segundo associações do sector, ascende aos dez mil milhões de euros. Mas todos sabemos que o investimento que as empresas fazem em reabilitação é muito baixo. Como pretende inverter essa tendência?
Dando um sinal com várias frentes. Por um lado, com instrumentos financeiros que favorecem a reabilitação urbana, que vamos apresentar em Setembro; por outro, com apoio à decisão do ponto de vista técnico - o INH vai publicar um instrumento pedagógico, um guia técnico da reabilitação. E, em termos genéricos, no âmbito da política de cidades, tudo está orientado para a contenção da expansão urbana e para a requalificação do que já existe.
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